Seu Pedro foi ao banco sacar o dinheiro para fazer as compras do mês e descobriu, da pior forma, que seu CPF estava bloqueado.
Sem comida em casa e sem poder faltar ao trabalho, enviou a esposa para me procurar por conta do “pecado tributário” que cometeu sem saber, mas sua redenção era impossível porque no caminho eram exigidos os números dos recibos de entrega das duas últimas declarações que, por não ter sido entregues, poderiam ser justamente a causa do bloqueio!
Na verdade ele não entregou porque não precisava mesmo: seu exíguo salário de motorista vem garantindo que seja acorrentado à categoria de isento ao longo dos anos e, enfim, dada a urgência da situação foi obrigado a desagradar os patrões e perder uma manhã inteira visitando as instalações da Receita Federal para descobrir que toda a sua família estava sendo punida porque não declarou o imposto de 2020.
Após minha instrução de que solicitasse na garagem todos os comprovantes de rendimentos desde 2019, sua esposa retornou um par de dias depois para que eu, finalmente, pudesse libertá-los da vergonha de precisar pedir dinheiro à família e à vizinhança para poder comer e a imagem a seguir revela o absurdo da situação:
Sabendo que o limite de isenção equivale a R$ 28.559,70, pude constatar que naquele ano Pedro foi obrigado a fazer alguns sofridos turnos extras e acabou recebendo ridículos R$ 228,13 além do valor isento: bastou realizar a transcrição dos dados para que imediatamente fosse oferecida a restituição parcial pelo modelo simplificado.
Ao incluir as informações sobre esposa e filho toda a “vultosa” quantia retida na fonte se tornou disponível, mas então já era tarde demais: ao simples condutor de ônibus foi aplicada a irrevogável e salgada multa de R$ 165,74.
A saber, não foi necessário declarar os anos subsequentes porque a renda do senhor Pedro retornou à normalidade famélica dos limites de isenção…
Eu já soube de hackers sequestrando computadores para só desbloquear após o recebimento de algum valor, normalmente abusivo, mas ver um governo travar toda a pequena renda de uma família para extorquir uma “multa” — por sinal absolutamente desproporcional aos valores que nunca foram devidos — só prova que o controle permitido pela tecnologia já é um algoz impessoal e terrivelmente maligno.
E isso só vai piorar…
Dos muitos episódios desnecessariamente sofridos que já testemunhei e ajudei a solucionar, sem dúvida este foi um dos que mais indignação me causou… tanto que depois disso decidi até fazer um anúncio um tanto didático:

Eventualmente me questionam se sou contador, mas não me envergonho ao dizer que só sei lidar com os indivíduos, ou seja, as ditas “pessoas físicas” e esse é um “hobby” que tanto me interessa que, trabalhando como recepcionista num evento de contabilidade, já me peguei passando instruções a um contador profissional que simplesmente ignorava alguns dos detalhes capciosos das declarações!
Orgulho à parte, simplesmente não faço o mínimo esforço para me meter nas normas tributárias empresariais e sinto calafrios só de imaginar o risco de trabalhar com as possíveis omissões dentre as toneladas de dados provenientes de uma pessoa jurídica.
Me sinto importante esclarecendo às pessoas de que o imposto já foi tirado de seus salários sem que autorizassem nem soubessem, assim como desiludir aos que chegam dizendo que o “SUS é de graça”… das experiências que tive nesse ano de 2022 (e sempre preservando absolutamente a identidade dos envolvidos), abaixo apresento uma galeria com três dos episódios mais interessantes, para o bem ou para o mal, que pude viver:



Lançamentos Alucinantes
Quisera poder ajudar as pessoas gratuitamente, mas desde que a surdez me pegou a vida tem sido absurdamente difícil em relação às finanças, principalmente por haver emendado na pandemia… e sempre que chega alguém me falando sobre as “cotas para deficientes”, eu tento explicar a complexa questão das alíquotas da qual, por acaso, ontem mesmo o senhor Alucinético foi vítima!
Casa cheia, inflação, várias pendências… para diminuir o sufoco financeiro, Alucinético aceitou fazer um bico de carteira assinada que um grande amigo seu vinha insistentemente propondo, na perspectiva de que pudessem voltar a trabalhar juntos após tantos anos.
O fato é que ao mesmo tempo em que esse modesto salário — enquadrado na alíquota de 7,5% — conseguiu aliviar o peso das contas de luz e da escola dos netos, acabou com o sossego da aposentadoria, fazendo seu Alucinético voltar a precisar acordar de madrugada para enfrentar alguma modalidade do absolutamente caótico transporte coletivo carioca e, cereja do bolo, um patrão cuja simpatia ficou limitada ao momento de recepção do “novo velho” funcionário na empresa.
Sabendo das competências de Alucinético, em pouco mais de um ano na empresa já pesavam sobre ele as responsabilidades das funções mais elevadas cujos jovens (e melhor remunerados) titulares eventualmente falhavam ao executar: se a proposta inicial era uma atividade mais suave e compatível com a idade de alguém aposentado, a realidade estava fazendo aquele avô de família chegar em casa só perto das 22:00h… e para acordar às 5:00h no dia seguinte!
A primeira parcela dessa aventura foi cobrada na saúde, com dolorosos prejuízos digestivos e ósseos.
A segunda parcela veio no início dessa semana, quando ele trouxe os documentos para que eu fizesse sua declaração: se em sua primeira fonte de renda era tributado na fonte com a alíquota de 15% e nessa sofrida segunda atividade era taxado em 7,5%, ao somar as duas o valor resultante o colocava no “topo da pirâmide” tributária, obrigando-o a calcular a dolorosa alíquota de 27,5% sobre o montante total de seus ganhos!
Tentei recorrer a todos os atenuantes possíveis, mas sua filha, além de já ter mais de 24 anos, nunca pisou numa faculdade.
Exceto para si próprio, ele paga plano de saúde para todos da casa e escola para os netos, mas não é detentor de sua guarda legal, o que o impede de declará-los como dependentes.
Enfim, sem ter para onde correr, tive de comunicar a seu Alucinético que ele está devendo dois mil duzentos e quarenta e três reais e cinquenta e cinco centavos à Receita Federal e que, na melhor das hipóteses, poderíamos converter isso em oito parcelas de R$ 280,44 com débito automático…
Ele sentou e não pude deixar de perceber seus olhos ficando marejados. Aceitou o copo d’água que ofereci e, após um profundo suspiro, me perguntou com a voz tremida:
— Onde é que eu vou arrumar esse dinheiro, garotinho?
Realmente a angústia dele facilmente poderia ser a minha se, reformado pela Aeronáutica, me metesse a aceitar qualquer das vagas por cota que já me ofereceram e depois, quando não aceitei, ficaram comentando por trás que eu estou é de má vontade e não quero trabalhar…
Enfim, hoje, sexta-feira, esbarrei com ele levando os netos para escola e só falou rapidamente comigo:
— Larguei daquela angústia lá na Barra!
Pude perceber que não estava exatamente alegre, mas que, sem dúvida alguma e a despeito das incertezas, havia alívio em sua voz.
Apesar dos nomes trocados, esse texto não tem absolutamente nada de ficção e só me permite concluir com uma questão para a qual realmente não sei a resposta:
— Enquanto o assistencialismo sustenta os vagabundos, como ser feliz e prosperar numa nação onde a lei tributária foi criada para penalizar quem mais trabalha?!?
Obrigado por ter lido até aqui e convido todos a comentar civilizadamente suas respostas, se é que têm alguma…